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terça-feira, 26 de janeiro de 2010

PESQUISAS

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11:25
17/02/2010

CENTRO AVANÇADO
Laboratório em Campinas vai investir em gargalos da pesquisa do álcool de celulose


Edição Impressa 168
Fevereiro 2010


Foram inauguradas em Campinas (SP), no dia 22 de janeiro, as instalações do Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE), um centro de pesquisa voltado para o desenvolvimento do etanol de segunda geração, aquele produzido a partir da celulose. O laboratório foi concebido em 2007 e já contou com R$ 69 milhões de investimentos do governo federal. Algumas pesquisas em andamento têm apoio da FAPESP, num montante de R$ 2 milhões, segundo Marco Aurélio Pinheiro Lima, diretor do CTBE. Além de desenvolver projetos de pesquisa relacionados a todas as etapas de produção do etanol, o centro tem a ambição de oferecer uma plataforma que possa ser utilizada por pesquisadores de todos os lugares do Brasil, e também da América Latina, em moldes semelhantes aos do uso das instalações do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS). O LNLS, o CTBE e o Laboratório Nacional de Biociências (LNBio) dividem o mesmo campus em Campinas e são coordenados por uma instância que acaba de ser criada pelo governo federal, o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM).

Desafios - Segundo o diretor Marco Aurélio Lima, a ideia de criar o laboratório surgiu de um estudo que levantou os desafios da produção brasileira de etanol para os próximos 15 anos. Uma das metas era responder o que o país precisaria fazer para produzir etanol capaz de substituir 10% da gasolina consumida no planeta no ano de 2025. “Muitos dos gargalos identificados demandam investimentos em ciência para resolvê-los”, diz Lima. O centro firmou acordos de cooperação com o Imperial College, da Inglaterra, e a Universidade Lund, da Suécia, com os quais desenvolverá pesquisas conjuntas. Também foi celebrado um acordo com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em torno de estudos no campo da sustentabilidade da cultura da cana.

Presente à inauguração, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ressaltou a importância do CTBE para que o Brasil dê um novo salto tecnológico. “Espero que este laboratório possa utilizar todo o seu potencial para que a gente possa transformar o etanol no combustível mais utilizado do mundo”, disse. Lula lamentou o aumento no preço do etanol combustível e criticou os usineiros que reduziram a produção de álcool para fabricar mais açúcar. “Se a gente passar para o mundo a ideia de que não estamos dando conta sequer do nosso mercado interno, nós não iremos levar o álcool para vender no mundo inteiro”, afirmou.

Para o governador de São Paulo, José Serra, o centro será um espaço propício para colaboração entre os governos federal e estadual. “Para nós, a criação do CTBE é uma notícia grata e se soma ao esforço de pesquisa feito no estado no campo da bioenergia”, disse Serra. “Na prática, a integração já existe. Todos os três diretores do centro são pesquisadores de universidades estaduais paulistas. Um é pesquisador da USP e os outros dois da Unicamp”, afirmou. Serra citou a criação do Centro Paulista de Pesquisa em Bioenergia, no final de 2009, que irá integrar os pesquisadores das três universidades e contratar novos pesquisadores em temas de fronteira, no âmbito do Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (Bioen).

Segundo o diretor científico do CTBE, Marcos Buckeridge, a abrangência dos trabalhos do novo centro coincide com a do Bioen, que deverá contribuir com o laboratório e também se beneficiar da sua infraestrutura. “Está em formação um sistema brasileiro de bioenergia que reunirá os trabalhos de uma elite de especialistas espalhados pelo país”, anuncia Buckeridge, que também dirige o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol e é membro da coordenação do Bioen.


FONTE: http://revistapesquisa.fapesp.br/?art=4049&bd=1&pg=1&lg=



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10:58
17/02/2010

AUTOFAGIA PARA A SOBREVIVÊNCIA
A manipulação da autodigestão celular inspira novas estratégias para combater doenças


Edição Impressa 168
Fevereiro 2010


Somos todos autofágicos – e isso é bom. A todo momento nossas células se digerem e se renovam, desfazendo e reaproveitando proteínas, por meio de um mecanismo biológico chamado autofagia. Vista antes apenas como um processo de morte celular, essa forma de autodestruição seletiva de componentes celulares mostra-se agora como um artifício de sobrevivência dos organismos – só quando não há mais conserto possível é que as células se apagam. Como aparentemente pode ser acelerada ou retardada, a autofagia tornou-se uma estratégia nova para combater doenças e prolongar a vida das células, cujo interior deve guardar tanto movimento quanto os quadros do artista plástico Jackson Pollock.

De imediato, a autofagia está abrindo perspectivas de aplicações novas para velhos medicamentos. Por exemplo, o lítio, usado para tratar pessoas com transtorno bipolar de humor, marcado por saltos repentinos da euforia à depressão profunda, pode ser útil para deter o mal de Alzheimer, uma forma de degeneração dos neurônios que tende a se agravar com o envelhecimento. A cloroquina, além de aplacar a malária, pode ajudar a combater tumores. A rapamicina, antibiótico usado para evitar a rejeição de órgãos transplantados, prolongou a longevidade de um grupo de camundongos, em comparação com outro grupo, que seguiu o curso normal do envelhecimento.

“Estabelecer a segurança de usos e acertar as dosagens de novas aplicações de medicamentos já aprovados é bem mais fácil do que começar tudo do zero”, argumenta Soraya Soubhi Smaili, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), à frente de um dos poucos grupos de pesquisa nessa área no país. Cláudia Bincoletto, também professora da Unifesp e pesquisadora da equipe de Soraya, mostrando por que essa estratégia de busca de novos remédios poderia ser conveniente para países de recursos financeiros limitados como o Brasil, acrescenta: “Drogas novas são muito mais caras que as mais antigas”.

Também há espaço para a pesquisa de remédios novos. Na Unifesp, Cláudia estuda os efeitos promissores de compostos derivados do elemento químico paládio sobre a autofagia como forma de combater tumores. Ela tem verificado que a possibilidade de regular a autofagia por meio de compostos químicos pode ser um caminho para aumentar a eficiência de compostos antitumorais, diminuindo a dosagem e os efeitos indesejados sobre outras células.

Em um estudo recém-concluído na Universidade de São Paulo (USP), Renato Massaro, orientado por Silvya Maria-Engler, testou um composto extraído de raízes e folhas de um arbusto da Mata Atlântica, a pariparoba, contra uma linhagem de células humanas de tumor de cérebro que cresciam em um meio de cultura apropriado, mantido em laboratório. Os resultados que ele colheu indicaram que esse composto, o 4-nerolidilcatecol ou 4-NC, pode estimular a autofagia nesse tipo de tumor, chamado glioma, e acionar os caminhos bioquímicos que levam não só à reciclagem, mas também à morte celular. Os gliomas se originam das chamadas células glias, muito mais numerosas no cérebro que os neurônios.

Massaro observou que o 4-NC também reduzia a capacidade de as células tumorais invadirem o espaço das células sadias. Era um bom sinal. O problema é que outros grupos de pesquisa já haviam indicado que as células tumorais podem adquirir resistência aos estímulos que induzem à morte celular. Uma das características típicas da célula tumoral é justamente a capacidade de escapar da morte celular geneticamente programada.

Como a apoptose e a autofagia se relacionam, uma estimulando ou freando a outra, Massaro adotou a estratégia inversa: acrescentou um composto que bloqueia a autofagia, o 3-metil-adenina ou 3-MA, à cultura de células tumorais humanas. O 3-MA ampliou o efeito do 4-NC e a morte dos tumores aumentou 30%, provavelmente estimulando outro mecanismo de morte celular, em comparação com o grupo de células que receberam apenas o 4-NC. Na Unifesp, com outros compostos, Cláudia Bincoletto chegou a resultados semelhantes, que indicam que a autofagia não induz à morte, mas à sobrevivência das células – portanto, quando inibida, compostos antitumorais tornam-se mais efetivos. “Essa tem sido uma estratégia defendida por muitos grupos em busca de novos tratamentos contra tumores”, comenta Soraya.

“Agora nosso desafio é encontrar a dosagem que elimine apenas as células tumorais, sem lesar as normais”, diz Silvya. Segundo ela, alterar os níveis normais de autofagia em células saudáveis poderia gerar desequilíbrios nos processos genéticos ou respostas inflamatórias indesejadas. A equipe da USP havia indicado em 2008 que o 4-NC pode estimular a apoptose de células de tumor de pele ou melanoma mantidas em cultura de células.

Na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a equipe de Guido Lenz tem estudado os efeitos do resveratrol, composto natural encontrado na casca de uva, frutas ver-melhas e amendoim, sobre a vida e a morte das células. Sob sua orientação, Eduardo Chiela comparou os efeitos de resveratrol e da temozolomida, um dos principais medicamentos usados contra gliomas que, já se sabia, pode induzir à morte por autofagia. O estudo, em fase final de redação, indicou que o ingrediente da casca de uva (principalmente as escuras) estimula os dois mecanismos de morte celular, a autofagia e a apoptose, em culturas de células humanas tumorais.

Em um estudo anterior, Lauren Zamin, Guido Lenz e outros pesquisadores da UFRGS avaliaram os efeitos do resveratrol e da quercetina, outro componente da uva e de outras frutas: a casca de uva contém cerca de 50 a 100 microgramas por grama de resveratrol e 40 de quercetina; o vinho tinto, cerca de 7 a 13 de resveratrol e 7,4 de quercetina. Uma combinação das duas substâncias fez células de glioma de ratos entrarem em senescência, processo de envelhecimento irreversível que pode culminar em autofagia e do qual as células normais se valem como forma de evitar que se tornem cancerosas. Sob o efeito dessas duas substâncias, as células tumorais se agigantaram e depois se romperam.

Os testes prosseguem em animais e reforçam o papel duplo do resveratrol, que, de modo inverso, apresenta um efeito antienvelhecimento em células saudáveis. “O resveratrol parece perceber quando uma célula é saudável ou tumoral”, observa Lenz. “Não será fácil, mas temos muito interesse em prosseguir a pesquisa, à medida que os resultados em ações sejam positivos, rumo a aplicações em seres humanos.” Outros estudos já haviam descrito o resveratrol como um composto capaz de deter outros tipos de tumores, estimular a autofagia e deter o envelhecimento.

“A autofagia representa um enfoque promissor para tratar melanomas (cânceres de pele)”, comentou Damià Tormo, pesquisador do Centro Espanhol de Pesquisa sobre Câncer, em Madri, em uma apresentação em janeiro na USP. Ele coordenou a construção de uma estrutura sintética de RNA (ácido ribonucleico) que aciona proteínas específicas e promove autofagia, como descrito em um artigo de 2009 na revista Cancer Cell. Tormo trabalha também em sua empresa nascente, a BiOnco Tech, para levar adiante o desenvolvimento dessa molécula, que se mostrou eficaz para deter o crescimento de tumores de pele, que com frequência se tornam resistentes a medicamentos, nos primeiros experimentos realizados em cultura de células e em camundongos geneticamente modificados.

Mesmo com novas substâncias com efeitos promissores e aparentemente de baixa toxicidade, não será fácil prosseguir. Em primeiro lugar, por causa das dificuldades para desenvolver novos medicamentos no Brasil. Em segundo lugar, por conta do próprio papel – igualmente duplo – da autofagia, que ajuda a sobreviver ou a eliminar tan--to as células normais quanto as tumorais. Em vários estudos, observa Guido Kroe-mer, pesquisador do Ins-tituto Gustaf Rouassy de Paris, mostrou-se que a autofagia pode ter funções diferentes, de acordo com o tipo de célu-la. Em neurônios, células do coração e ou--tros tipos de células que se reproduzem normalmente, esse mecanismo poderia ajudar na limpeza, eliminando resíduos, além de preparar a célula para a morte por apoptose. Em células que se multiplicam de modo descontrolado – ou seja, com potencial para formar tumores –, a autofagia poderia favorecer a sobrevivência e, portanto, a eventual resistência a compostos ou estímulos externos usados contra elas.

Reconhecida nos anos 1970 por Daniel Klionsky, pesquisador da Universidade de Michigan, Estados Unidos, a autofagia passou quase três décadas vista apenas como uma forma, inicialmente sem muita importância, de a célula se livrar de si mesma. Por essa razão, foi chamada de morte celular programada tipo 2 para diferenciar da apoptose, ou morte tipo 1, muito mais estudada. “Pode-se dizer que a autofagia antecede a morte celular ou que é cruzada à morte celular, mas hoje não é mais correto afirmarmos que a autofagia seja um tipo de morte celular”, comenta Soraya.

Os genes que controlam a autofagia começaram a ser identificados em 1997, inicialmente em leveduras, organismos unicelulares, empregados na fabricação de pão, vinho, cerveja e álcool combustível. A partir dos genes, os especialistas conheceram quais são e como interagem as proteínas que levam adiante esse mecanismo flexível de reciclagem de componentes celulares. Além de desmontar o que não está funcionando direito, a autofagia tem outras funções ao longo do desenvolvimento das células, nem sempre levando à morte. É necessária, por exemplo, para as leveduras se reproduzirem e para as larvas de insetos se transformarem em pupas.

“Hoje vemos que a autofagia está mais para sobrevivência e resistência do que morte celular”, observa Soraya. “Diante de um estímulo agressor ou de um defeito celular, a célula pode entrar em autofagia como uma tentativa de reparo e só quando não há mais conserto é que entra em processo de morte celular.” Vários estudos sugerem que os genes e as proteínas que estimulam a autofagia podem bloquear a apoptose, ou o contrário, a partir de estímulos muito bem definidos, estabelecendo assim uma conversa cruzada entre esses dois fenômenos.

Quando recebem estímulos internos ou externos, as duas dezenas de genes já identificados que controlam a autofagia acionam a produção de proteínas, que aos poucos se encaixam formando membranas que cercam os componentes celulares a serem desmontados antes de causarem problemas. Em seguida, movida por outras proteínas específicas, a membrana se funde com os lisossomos, compartimentos da célula ricos em enzimas que rotineiramente fragmentam proteínas.

Os lisossomos digerem proteínas defeituosas celulares mais lentamente que outro mecanismo de limpeza celular chamado proteossomo. Embora mais lentos, os lisossomos podem eliminar estruturas celulares maiores, quando danificadas ou deficientes, principalmente as mitocôndrias, compartimentos celulares que convertem a energia obtida dos alimentos em moléculas de ATP, fundamentais para a manutenção das células. Na Unifesp, sob orientação de Soraya, Juliana Terashima irrigou células com um composto conhecido pela sigla FCCF, extremamente tóxico para as mitocôndrias. Em resposta, as células entraram em autofagia, que, uma vez acionada, ajudou a remover as mitocôndrias que haviam sido danificadas pelo composto.

Ao participar da linha de desmontagem celular, os lisossomos permitem às células construir novas moléculas mesmo quando não são abastecidas por matéria-prima habitual, vinda dos alimentos. A fusão das membranas com os lisossomos leva à formação de grandes bolsas, chamadas vacúolos autossômicos, que levam adiante a transformação de resíduos em matéria- -prima para moléculas novas. Segundo Lenz, aparentemente é o número de mitocôndrias eliminadas por esses vacúolos que marca o momento em que a célula sai da fase da reciclagem para a da destruição completa. O problema é encontrar esse limite. Ou, em termos práticos, descobrir quantas mitocôndrias uma célula precisa perder – uma célula possui em média 200 mitocôndrias – para entrar no caminho irreversível da morte celular.

O conhecimento sobre essa linha de desmontagem celular, à medida que encorpava, levantou as primeiras possibilidades, hoje mais concretas, de intervir nessa cadeia de reações bioquímicas para prolongar a vida das células sadias e reduzir a das tumorais. Em um estudo publicado em fevereiro de 2008 na revista PNAS, pesquisadores italianos mostraram que o lítio, aplicado durante 15 meses em um grupo de 44 pessoas, poderia adiar a progressão da esclerose lateral amiotrófica, uma doença neurodegenerativa.

Um mês antes uma equipe da Universidade de Cambridge havia mostrado na Human Molecular Genetics as possibilidades de uso do lítio e da rapamicina, combinados, para tratar a doen-ça de Huntington, outra enfermidade com perda contínua da funcionalidade dos neurônios. “A autofagia parece remover os agregados de proteínas malformadas, que atrapalham o funcionamento das células nervosas e estão presentes em doenças neurodegenerativas como a de Huntington, Parkinson e Alzheimer”, observa Soraya. Segundo ela, estudos realizados em seu laboratório com células de pacientes com Huntington mostraram que estimular a autofagia pode retardar o aparecimento da morte celular por apoptose.

Uma célula que se limpou por meio da autofagia pode viver mais, de acordo com um estudo realizado nos Estados Unidos e publicado na Nature em julho de 2009. Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores cuidaram de cerca de 3 mil ratos idosos, com uma idade equivalente a 60 anos em seres humanos. Administraram rapamicina, composto que estimula a autofagia, a uma parte dos animais e esperaram todos morrer naturalmente, de cinco a sete meses depois. Os camundongos que receberam rapamicina apresentaram um tempo de vida de 28% a 38% maior que os do grupo que não recebeu nada.

Esse experimento impressionou pela grandiosidade, já que o número de animais raramente é tão elevado, mas sua aceitação não foi consensual – e muitos pesquisadores argumentaram que os camundongos podem ter vivido mais por outras razões ou que esse resultado não é o bastante para associar o controle da autofagia ao prolongamento da vida celular. De todo modo, os mecanismos de funcionamento da autofagia tornam-se mais claros. Outros experimentos sugeriram que a simples privação de nutrientes pode estimular esse tipo de limpeza celular. “Recebendo menos glicose”, comenta Soraya, “a célula vai produzir menos energia pelas vias metabólicas habi-tuais, mas também produzirá menos resíduos que aceleram o envelhecimento, além de estimular a autofagia, que pode remover mitocôndrias e proteínas malformadas”.

Em um artigo publicado em 2006 na Cancer Cell, Melanie Hippert, Patrick O’Toole e Andrew Thorburn, da Universidade de Colorado, em Denver, Estados Unidos, reconhecem que a manipulação da autofagia deve ser útil para deter a evolução de tumores e aumentar a eficiência dos tratamentos contra câncer. O problema é que a autofagia tem um papel duplo: pode inibir ou favorecer o crescimento de tumores, dependendo das circunstâncias. Por essa razão, a autofagia poderia ser estimulada para evitar a formação de tumores em pessoas com risco de câncer, mas reduzida se um tumor já tiver se estabelecido no organismo.

Depois de encontrar um composto adequado, o desafio seguinte será definir a melhor dosagem, para que apenas as células tumorais morram. Chi Dang, da Universidade John Hopkins, Estados Unidos, relatou em janeiro de 2008 na Journal of Clinical Investigation que a cloroquina, um antimalárico, pode ajudar a prevenir a evolução de tumores. Ele advertiu, porém, que o uso prolongado desse composto, que inibe a autofagia e estimula a apoptose, pode ter efeitos colaterais ainda não previstos, já que o conhecimento sobre o equilíbrio celular ainda é rudimentar.

“Não acredito que os novos antitumorais apenas estimulem a autofagia”, comenta Lenz. “Seria arriscado. A saída talvez seja algo, como o resveratrol, que possa ter múltiplos alvos e ativar mais de um processo bioquímico que leve à morte dos tumores, inclusive por autofagia.” Mesmo que novos compostos não cheguem logo, a capacidade de induzir ou bloquear a morte celular deve tornar-se uma característica dos medicamentos em geral, ajudando a explicar como atuam no organismo – muitos medicamentos antitumorais já em uso, por sinal, podem induzir à autofagia. Pode ajudar também a retomar muitas pesquisas interrompidas. “Fármacos que falharam em testes clínicos talvez precisem ser revisitados”, cogita Silvya Stuchi Maria-Engler, da USP, “porque podem se tornar excelentes se usados com outros, capazes de induzir ou inibir a autofagia”.



FONTE: http://revistapesquisa.fapesp.br/?art=4052&bd=1&pg=1&lg=



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10:24
17/02/2010

O VENENO DO REMÉDIO
Efeitos nocivos limitam potenciais usos terapêuticos da curcumina



Edição Impressa 168
Fevereiro 2010

A curcumina, substância encontrada no pó amarelo-alaranjado extraído da raiz da curcuma ou açafrão-da-índia (Curcuma longa), aparentemente pode ajudar a combater vários tipos de câncer, o mal de Parkinson e o de Alzheimer e até mesmo retardar o envelhecimento. Usada há quatro milênios por algumas culturas orientais, apenas nos últimos anos passou a ser investigada pela ciência ocidental, com resultados surpreendentes em alguns casos e alarmantes em outros. Estudos conduzidos na Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto (USP-RP), interior do estado, indicam que em dosagem baixa a curcumina previne danos no material genético das células provocados por compostos tóxicos. Em teores elevados, porém, a curcumina pode até matá-las.

Recentemente a curcumina vem sendo tratada como panaceia pelos meios de comunicação ávidos por dicas de saúde. Corante rotineiro na indústria alimentícia, ela está presente nos mais diversos produtos, de biscoitos a sorvetes, de sopas a margarinas. Também é a base de condimentos como o curry. Na Índia, aliás, seguindo a dieta típica do país, as pessoas chegam a consumir ao redor de dois gramas de curcumina por dia. Nos países ocidentais, onde a quantidade nos alimentos é bem menor, a expectativa de que a curcumina possa melhorar a qualidade de vida e prevenir doenças a transformou num suplemento alimentar.

Mas alguns pesquisadores alertam: vale a pena levar em conta um velho ditado segundo o qual a diferença entre o remédio e o veneno está na dose – uma adaptação do que teria escrito no século XVI o médico, botânico e alquimista suíço Paracelso. É basicamente isso que vêm sugerindo as pesquisas realizadas pelo grupo de Lusânia Maria Greggi Antunes, pesquisadora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP em Ribeirão Preto. “Foi muito divulgado no final do ano passado, até em programas de TV, que a curcumina teria um efeito protetor contra o câncer, e só foi dito que quanto maior o consumo, maior a proteção”, afirma Lusânia. “Mas a gente sabe, pelos dados disponíveis, que não é bem assim.” Pesquisadores da Universidade de Sevilha também alertaram para o risco-benefício da curcumina como agente terapêutico.

O interesse inicial do grupo de Ribeirão era estudar o potencial antimutagênico da curcumina, ou seja, sua capacidade de diminuir danos e alterações no material genético (DNA) das células. “Começamos nossos estudos tentando observar redução de danos na estrutura dos cromossomos e depois na sequência do próprio DNA”, conta a pesquisadora. Os testes foram feitos tanto com células (in vitro) como em animais (in vivo) para verificar se a curcumina, com atividade antioxidante já demonstrada, também evitaria mutações no material genético celular.

Essas pesquisas iniciaram-se mais de 10 anos atrás e hoje formam um corpo que justifica o alerta. Nos primeiros testes, o grupo de Lusânia usou uma cultura de células de ovário de hâmster chinês, escolhidas pelos cromossomos grandes. Depois de tratar as células com o quimioterápico bleomicina, de conhecido poder mutagênico e usado contra leucemia, e com radiação, também capaz de induzir danos no material genético, os pesquisadores aplicaram em três grupos de células concentrações diferentes de curcumina. A expectativa era que a substância encontrada na curcuma reduzisse as alterações nos cromossomos. Mas aí veio a surpresa. As doses menores (2,5 e 5 microgramas de curcumina por mililitro) produziram um efeito antimutagênico, enquanto a dosagem mais alta, 10 microgramas por mililitro, provocou a reação contrária: mais mutações do que as observadas nas células não tratadas com curcumina. Ante esses resultados, concluiu-se que nem sempre a curcumina produz um efeito benéfico. Uma quantidade grande demais pode ter um efeito oposto ao de concentrações menores. É o remédio se transformando em veneno.

Neuroproteção - Mais recentemente, alguns trabalhos começaram a sugerir que a curcumina, além de suas propriedades antioxidantes – ela reduz a formação de radicais livres prejudiciais às células –, também poderia apresentar um efeito neuroprotetor, o que a tornaria uma potencial candidata a combater doenças neurológicas hoje incuráveis, como Parkinson ou Alzheimer. O farmacêutico Leonardo Mendonça, do grupo de Lusânia, também colocou essa assertiva à prova em 2009, com um estudo in vitro feito com células de rato denominadas PC12, originárias da glândula adrenal e precursoras de neurônios.

Para induzir os danos às células, os pesquisadores usaram cisplatina, um quimioterápico agressivo, em diferentes concentrações. Como nos estudos com as células de ovário, usaram doses variadas da curcumina para avaliar um possível efeito protetor. Os resultados foram basicamente os mesmos: nas concentrações menores, a curcumina ajudou a proteger as células da ação deletéria da quimioterapia. Mas, nas doses mais altas, o efeito se inverteu e os danos foram ainda maiores que os observados entre as células tratadas com cisplatina, mas não com curcumina.

A essa altura, estava mais claro que o efeito da curcumina nem sempre era protetor. Mas por quê? Aparen-temente, após uma de-terminada dose, a substância passava a contribuir para a formação de radicais livres, em vez de impedi-la. O mecanismo molecular exato ligado a esse efeito, porém, ainda está longe de ser esclarecido. E o mais intrigante é que os experimentos da equipe de Lusiânia com ratos não permitiram verificar as mesmas propriedades nocivas vistas nos estudos com células em cultura.

Parecem ser duas as razões para o fato de os estudos in vivo não mostrarem os mesmos efeitos danosos dos testes in vitro. A primeira é que a chamada biodisponibilidade da curcumina, a capacidade de o organismo a absorver, é bastante baixa. Isso significa que as doses administradas pelo grupo de Lusânia aos animais podem ter sido baixas demais para provocar algum efeito deletério. A segunda razão é que no organismo a curcumina é metabolizada no intestino, antes mesmo de entrar na corrente sanguínea, e depois novamente no fígado, o que terminaria por protegê-lo de uma eventual dose excessiva dessa substância.

Ante essas dúvidas, a equipe volta à bancada em 2010 com o objetivo de criar um modelo in vitro que esteja mais próximo do que se vê in vivo. “Estamos começando o estudo com células que conseguem fazer essa metabolização e que devem permitir comparar melhor os resultados [in vitro com os in vivo]”, explica Lusânia. Caso esse esforço seja bem-sucedido, deve se tornar possível começar a especular sobre qual seria a dosagem máxima segura para ingestão oral por seres humanos. Hoje os estudos só são capazes de mostrar que, depois de uma determinada quantidade, a curcumina faz mal. Mas, como quase todos os testes foram in vitro, não permitem calcular a dosagem ameaçadora para um organismo. Isso porque a ingestão de alguns gramas de curcumina resulta em concentrações muito baixas no sangue, medidas em nanogramas, bem menos do que a quantidade a que as células são submetidas em laboratório. O grupo também pretende investigar quais genes a curcumina ativa e desativa dentro das células, numa tentativa de elucidar o mecanismo molecular por trás de efeitos tão diversos.

Se por um lado a questão da dosagem e a da toxicidade preocupam, por outro, alguns estudos, feitos por brasileiros inclusive, mostram resultados animadores do uso da curcumina contra certos tipos de câncer.

O grupo do urologista Miguel Srougi, da Faculdade de Medicina da USP, tem trabalhado com a perspectiva de usar a curcumina contra tumores de próstata e de bexiga. Nas culturas de células em laboratório, eles observaram um efeito impressionante: a curcumina levou as células dos tumores ao suicídio – acionou a apoptose, a morte celular autoinduzida. O resultado é particularmente surpreendente se levar-se em consideração o fato de que os tumores em geral são formados por células que sofreram mutações e se recusam a morrer, multiplicando-se furiosamente.

Ação localizada - No estudo do câncer de bexiga, a equipe de São Paulo foi mais longe: realizou uma série de experimentos in vivo, com camundongos. Os testes mostraram um efeito localizado contra as células cancerosas, sem danos colaterais nos animais. “Está nos planos fazermos no futuro próximo testes clínicos com a curcumina contra o câncer de bexiga, possivelmente para ser usada como segunda linha de tratamento”, explica Kátia Leite, pesquisadora do grupo de Srougi.

A vantagem no caso dos tumores de bexiga é a facilidade de aplicação direta da curcumina. É possível injetá-la diretamente na bexiga, via uretra, de forma que as concentrações que chegam ao tumor são suficientes para afetá-lo. Quando a administração é por via oral, isso se torna mais difícil, em razão da pouca capacidade de absorção do organismo. Essa constatação ajuda a explicar por que muitos pesquisadores dizem que as pessoas não deveriam se animar muito em incluir curcumina na dieta por seus potenciais efeitos medicinais.

Mas, de novo, nem mesmo como medicamento, com uso específico e dosagem controlada, a curcumina é a solução para todos os males. Um estudo realizado pelo americano Mark Miller, da Universidade Wake Forest, e apresentado em novembro de 2009 em um congresso em Ouro Preto, interior de Minas Gerais, mostrou que, em testes contra câncer de pulmão feitos com camundongos transgênicos, a curcumina agravou o problema, em vez de combatê-lo.

O desafio agora é decifrar precisamente como a curcumina age no organismo, para compreender como ela pode, em alguns casos, fazer bem, e em outros, mal. “Ainda estamos muito longe de entender os mecanismos exatos de ação da curcumina”, explica Kátia. “Por isso mesmo ainda precisamos de muitas outras pesquisas.”


FONTE: http://revistapesquisa.fapesp.br/?art=4053&bd=1&pg=1&lg=



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10:07
17/02/2010

APARECEU O MICHEY MOUSE!!


Edição Impressa 168
Fevereiro 2010


“Coincidência, acidente, acaso ou não, a verdade é que nano Mickeys estão lá e eles estão sorrindo”, é assim que o professor Oswaldo Alves, do Instituto de Química (IQ) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), se refere à inusitada figura que apa-receu em um experimento e foi identificada por meio de um microscópio eletrônico de transmissão. Coordenador do Laboratório de Química do Estado Sólido (LQES) e vice-coordenador do Instituto Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação em Materiais Complexos Funcionais, Alves viu as imagens dos ratinhos depois de preparar em uma autoclave nanofios de vanadato de prata (AgVO3) decorados com nanopartículas de prata, uma nanoestrutura com ação antibacteriana quando incorporada a vários materiais como plásticos, tecidos e tintas. Um close em uma parte do nanofio revelou a imagem de Mickey Mouse, famoso personagem de Walt Disney. “Um deles estava direcionado para a frente e permitiu uma melhor visualização, mas existem outros envolvendo nanopartículas de prata”, diz Alves. O nano Mickey se perfila ao lado de outras nanofiguras que se formam espontaneamente como os nanotubos ou são construídas por pesquisadores como nanopinças, nanorrádios, nanocarros e nanosseringas. “A diferença é que a fama do Mickey pode contribuir para popularizar a nanotecnologia, especialmente entre as crianças”, diz Alves, que contou no experimento com o aluno de doutorado Raphael Dias Holtz e com o professor visitante Antônio Gomes de Souza, da Universidade Federal do Ceará, ambos financiados pela FAPESP. Para a ciência, segundo Alves, a figura do rato famoso faz surgir novas perguntas. “Ela nos traz algumas questões inerentes à nanoescala: é o nanomundo imitando o macromundo ou o macromundo que imita o nanomundo? O Mickey é uma imagem acidental? Como podemos controlar e entender essa auto-organização? Nós conhecemos muito pouco sobre os mecanismos que levam à formação desses sistemas. O que sabemos é que repetindo o experimento o Mickey aparece. Isso é importante porque a reprodutibilidade pode levar à fabricação controlada de sistemas complexos.” Para o professor Oswaldo Alves, o aparecimento do Mickey é no mínimo curioso e parece anunciar a chegada de sistemas de nanoestruturas e sistemas de nano-objetos. “Ciência e arte estão novamente de mãos dadas.”


FONTE: http://revistapesquisa.fapesp.br/?art=6232&bd=2&pg=1&lg=



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05/02/2010
BACTÉRIA COM GENE DE ARANHA PRODUZ VENENO NO BUTANTÃ


Uma bactéria que fabrica a principal toxina da aranha-marrom vai facilitar a produção de soro antiveneno no Instituto Butantã. Pesquisadores do Laboratório de Imunoquímica conseguiram inserir um gene do animal peçonhento na bactéria Escherichia coli. Os microrganismos tornaram-se pequenos fornecedores da principal enzima (esfingomielinase-D) responsável pelos danos da picada.

Por enquanto, o veneno, utilizado para a produção do soro, é obtido de modo artesanal: as aranhas recebem pequenos choques que forçam a liberação de quantidades ínfimas da toxina. Cada animal expele, no máximo, 30 microgramas de veneno - uma gota de água, por exemplo, tem massa dez mil vezes maior. Para produzir o soro, é preciso usar centenas de aranhas.

Com a nova técnica, as bactérias substituiriam as aranhas e poupariam trabalho dos cientistas. Ficaria garantido um suprimento estável de esfingomielinase-D para a produção do soro.

"Nossa intenção era prescindir das aranhas para a obtenção da toxina", explica Denise Tambourgi, diretora do Laboratório de Imunoquímica, que há 15 anos investiga o veneno da aranha-marrom. Atualmente, o Butantã produz soro antiaracnídico que trata, ao mesmo tempo, picadas de escorpião, aranha-marrom e armadeira - outra espécie de aranha comum no país.

"A ideia é produzir soros específicos para cada um dos animais", aponta o diretor do Serviço de Imunologia do Butantã, José Roberto Marcelino. Atualmente, já está disponível o soro contra veneno de escorpião.

O soro para envenenamento causado por aranha-marrom - conhecido como antiloxoscélico - é o próximo da lista.

"Pretendemos produzir três lotes consecutivos (de soro antiloxoscélico) ainda este ano", aponta Marcelino. As doses serão usadas nos testes clínicos prévios ao pedido de aprovação na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

O soro vai neutralizar o veneno de três espécies de aranhas-marrons: Loxosceles gaucho - principal responsável pelos acidentes em São Paulo -, L. intermedia - comum no Paraná, onde ocorre a maior parte dos acidentes no Brasil - e L. laeta - mais venenosa, presente em Santa Catarina e em vários países latino-americanos. Por enquanto, apenas o veneno de L. intermedia e L. laeta será produzido com as bactérias.

Veneno total

O soro antiloxoscélico utilizado no país é fabricado pelo Centro de Produção e Pesquisa de Imunobiológicos (CPPI), ligado à Secretaria de Saúde do Paraná. Produzido com veneno extraído de aranhas, o soro também neutraliza toxinas das três espécies responsáveis pela maior parte dos acidentes no país e na América Latina.

A farmacêutica Isolete Pauli, responsável pela produção de soros antiveneno no CPPI, considera muito oportuna a pesquisa do Instituto Butantã.

Mas aponta que será necessário comprovar que o produto fabricado com bactéria transgênica neutraliza o "veneno total" - ou seja, todas as toxinas inoculadas pela aranha-marrom, e não só a esfingomielinase-D.

"Sem dúvida, esta enzima é uma peça-chave do veneno", aponta Isolete. "Mas todas as toxinas atuam de forma sinérgica para causar os danos do envenenamento."

Denise Tambourgi, do Butantã, afirma que testes com animais em laboratório demonstraram que a neutralização da esfingomielinase-D é suficiente para impedir a ação das demais toxinas.

Números

No ano passado, houve 17.474 acidentes com aranhas, segundo dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde. A aranha-marrom teria contribuído com um terço dos envenenamentos.

A médica Marlene Entres explica que a picada da aranha-marrom não costuma doer. Só depois de algumas horas o envenenamento evolui para sintomas que podem variar de necrose no local à presença de hemoglobina na urina, devido à ação das toxinas sobre o sangue.

Fonte:Alexandre Gonçalves para O Estado de SP
Fonte: http://www.crbio01.org.br/cms/#inicio



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BORRACHA VERSÁTIL

LÁTEX É MATÉRIA-PRIMA PARA CONTROLE DE OBESIDADE E OUTROS PRODUTOS USADOS POR DIABÉTICOS

Dinorah Ereno
Edição Impressa 167 - Janeiro 2010


Do látex extraído da seringueira amazônica os pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) estão desenvolvendo novos produtos para a área da saúde, destinados principalmente a pacientes diabéticos. “É uma matéria-prima de fácil manuseio e barata, porque o litro de látex custa cerca de R$ 17,00”, diz a professora Suélia Rodrigues Fleury Rosa, do Laboratório de Engenharia e Inovação da UnB do campus de Gama, a 30 quilômetros da capital federal, coordenadora da pesquisa. O primeiro projeto desenvolvido pelo grupo é uma prótese de esôfago para controle da obesidade e do diabetes tipo 2. “É um dispositivo biocompatível e flexível que tem a função de controlar a ingestão alimentar pela redução do diâmetro do esôfago, órgão que funciona como um tubo condutor entre a faringe e o estômago”, diz Suélia.

Ao ser inserido no esôfago por via endoscópica, o dispositivo, indicado para ser usado por até 10 dias, causa resistência à passagem dos alimentos, tornando a ingestão mais lenta devido à necessidade de mastigação prolongada. “Esse efeito sobre a mastigação exerce influência nos mecanismos desencadeadores da saciedade e ajuda na reeducação alimentar de pacientes obesos, com consequente perda de peso e melhora nos níveis de glicemia”, diz Suélia. Nos testes experimentais feitos em cães, endoscopias comparativas feitas antes da colocação do módulo no esôfago e após a retirada do dispositivo, que permaneceu no organismo entre sete e 15 dias, mostraram que toda a área do órgão se manteve íntegra, sem nenhuma alteração.

Atualmente, além da cirurgia bariátrica – redução do estômago, que é o último recurso usado contra a obesidade extrema, mas impõe uma série de limitações aos pacientes –, existem outras formas de tratamento, também classificadas como cirúrgicas e menos radicais. São as chamadas técnicas restritivas, como a banda gástrica ajustável e o balão intragástrico, similares ao módulo criado na UnB, chamado de controlador de fluxo esofagiano (CFE). A principal diferença entre eles é o local onde são aplicados, porque os dois dispositivos que estão em uso atuam na compressão do estômago.

A banda gástrica ajustável consiste em uma fita de silicone colocada na parte alta do estômago. Após ser insuflada leva a um estreitamento do órgão, diminuindo sua capacidade em torno de 30 mililitros, o que restringe o volume da alimentação. “Essa técnica é indicada para pacientes não muito obesos, já que a perda de peso fica em torno de 20%, que não gostem de doces e álcool”, diz Suélia. “Entre as complicações pós-cirúrgicas estão dilatação do esôfago pela dificuldade de esvaziamento do órgão, obstrução total do estômago e infecção por contato com líquido digestivo.” A outra técnica é o balão intragástrico, prótese de silicone de formato esférico introduzida pela boca e levada ao estômago. É uma técnica útil para coibir a ingestão de alimentos de consistência pastosa ou sólida, mas não para líquidos. “Bebidas alcoólicas e outros líquidos com grande teor calórico são bem tolerados e, quando usados compulsivamente, se tornam a causa de insucesso do método para perder peso”, ressalta a pesquisadora.

O dispositivo da UnB tem o formato de um balão cilíndrico de oito centímetros de comprimento, com a superfície interna lisa e a externa ondulada com ranhuras. A aplicação é feita por endoscopia, com o balão vazio, na parte superior do órgão. Depois de posicionado no local correto, ele é inflado com oxigênio. “O objetivo do tratamento é que o paciente aprenda a mastigar e a comer corretamente com a ajuda de fonoaudiólogos, médicos especialistas e psicólogos”, diz Suélia. O projeto de desenvolvimento do CFE, que começou a tomar forma em 2006, durante o doutorado de Suélia, recebeu o Prêmio Santander de Empreendedorismo e de Ciência e Inovação em 2008 e o Prêmio Jovem Inventor da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal em 2009. A ideia surgiu a partir da observação de que pessoas com patologias obstrutivas de esôfago, como anel esofágico inferior e membranas esofágicas, apresentam grande perda de peso, mas não desnutrição.

Método inovador - “A minha mentora foi a professora Fátima Mrué, da Universidade Federal de Goiás (UFG), que desde 1994 estuda o látex”, diz Suélia. Fátima desenvolveu junto com o professor Joaquim Coutinho Netto, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, uma biomembrana à base de látex usada como curativo para feridas crônicas (leia mais sobre o assunto na edição 88 de Pesquisa FAPESP), lançada comercialmente com o nome de Biocure pela empresa Pele Nova Biotecnologia. Para o desenvolvimento da prótese de esôfago, a pesquisadora contou com a orientação dos professores Adson Ferreira da Rocha, da Faculdade de Tecnologia da UnB, e José da Conceição Carvalho, da Faculdade de Medicina da UFG.

A próxima etapa do projeto consiste em testar a prótese em cinco voluntários durante um período de 10 dias. “A perda de peso esperada é de cerca de um quilo por dia”, diz Suélia. “O estudo em um grupo pequeno deve-se à inovação do método e também para que todas as questões referentes à metodologia, aos riscos e aos desconfortos possam ser tratadas com maior grau de segurança.” O pedido para testar em voluntários está sendo avaliado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal de Goiás, onde os testes serão feitos, e pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), vinculada ao Ministério da Saúde. “A fase dos testes em humanos deverá se estender por cerca de um ano e meio”, diz. Depois disso, se tudo correr conforme o previsto, a pesquisadora pretende estabelecer parceria com uma empresa para a fabricação do produto.

O látex também foi a matéria-prima escolhida para ser usada na fabricação de uma palmilha que controla a pressão da pisada dos pés de diabéticos, como forma de prevenir futuras amputações. “Quando o diabético pisa incorretamente, por causa da má circulação no pé, começam a surgir feridas em alguns pontos mais sensíveis, que acabam evoluindo para a perda de dedos ou mesmo parte do pé”, diz Suélia. A palmilha terá um circuito eletrônico de baixo custo que vai monitorar as pisadas dos pacientes. “O controle possibilitará que seja feita uma fisioterapia dirigida para a ferida não evoluir”, relata. Ela também poderá ter em sua composição produtos químicos que ajudam na regeneração do tecido. Outra possibilidade que está em estudo é colocar na peça um laser de baixa frequência para ajudar na regeneração tecidual da ferida. A palmilha já tem um depósito de patente e está sendo analisada pelo comitê de ética da universidade para ser testada em pessoas.

Em um terceiro projeto o látex, depois de seco em estufa e submetido ao processo de vulcanização, é utilizado para fabricação de um colchão inteligente destinado a pessoas que passam longos períodos em repouso, como diabéticos, pacientes internados em unidades de tratamento intensivo e recém-nascidos hospitalizados, como forma de evitar a formação de escaras. O diferencial desse colchão é que os gomos serão inflados e desinflados automaticamente por um circuito interno pré-programado. “O objetivo é fazer uma distribuição de pressão uniforme, mas não contínua”, diz Suélia. Um colchão em escala reduzida está sendo testado pela equipe de pesquisadores para avaliar qual o intervalo de tempo que determinado ponto da pele suporta a pressão, quanto tempo aguenta e outros parâmetros. Com base nessas informações, será feita a configuração do colchão de acordo com as necessidades de cada paciente. As três pesquisas fazem parte de um projeto chamado Bioenglatex – desenvolvimento de dispositivos de látex aplicados à medicina.

Fonte: http://www.revistapesquisa.fapesp.br/index.php?art=4039&bd=1&pg=1&lg=

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A culpa não é do Colombo
ESTUDO DE BRASILEIROS DIZ QUE A SÍFILIS DEVE TER SURGIDO ENTRE 5 MIL E 16.500 ANOS ATRÁS, MUITO ANTES DA DESCOBERTA DAS AMÉRICAS PELOS EUROPEUS.


Marcos Pivetta
Edição Online - 20/01/2010



Um trabalho da bióloga Sabine Eggers, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP), e de quatro alunos de pós-graduação refuta uma ideia ainda prevalente no meio científico e na sociedade em geral: a teoria de que a sífilis, doença sexualmente transmissível causada pela bactéria Treponema pallidum, teria aparecido nas Américas há cerca de 500 anos e só teria sido levada para a Europa por Cristóvão Colombo e os primeiros desbravadores do Novo Mundo. Segundo o estudo, que acaba de ser publicado na edição eletrônica da revista científica Plos Neglected Tropical Diseases, a doença deve ter surgido entre 5 mil e 16.500 anos atrás, muito antes de os europeus terem desembarcado por aqui. "Mas não podemos afirmar se a sífilis venérea apareceu ou não nas Américas", diz Sabine, especialista em paleopatologia, o estudo das doenças em populações do passado.
Confrontando as evidências científicas de duas áreas de estudo, da paleopatologia e da genética molecular, os pesquisadores testaram as três teorias mais difundidas sobre a origem da sífilis: a hipótese colombiana, a mais conhecida de todas, segundo a qual a doença emergiu nas Américas, há cerca de meio milênio, e em seguida foi levada à Europa pelos colonizadores europeus; a hipótese pré-colombiana, que defende a ideia de que a sífilis e outras patologias causadas por treponemas já estava presente tanto no Velho como no Novo Mundo milhares de anos antes da época das Grandes Navegações, sendo os primeiros casos de doenças desse tipo originários da Ásia ou da África 17 mil anos atrás; e a hipótese que advoga a existência de doenças desencadeadas por treponemas em todo o mundo desde sempre, há talvez milhões de anos, tendo diferentes grupos sociais, ao longo da história, apresentado distintas manifestações desse grupo de doenças em função das condições geográficas, climáticas e do seu desenvolvimento social. No final do trabalho, concluíram que a teoria mais plausível era a segunda, embora não tenham fechado posição sobre o berço geográfico da sífilis.
Causadora de epidemias fatais na Europa do final do século XV e início do XVI, na época das Grandes Navegações, quando era incurável, de difícil diagnóstico (era facilmente confundida com outras doenças, como a lepra) e sua virulência era alta, a sífilis tornou-se facilmente tratável no século passado depois do advento dos antibióticos, sobretudo da penicilina. Apesar disso, ainda hoje ocorrem anualmente cerca de 12 milhões de casos e 150 mil mortes por sífilis venérea ou congênita, também causada pelo mesmo patógeno, sobretudo em regiões pobres como a África, o Sudeste Asiático e em menor escala na América Latina. No Brasil, cerca de um milhão de casos da doença são registrados anualmente. Se não for medicado, o doente de sífilis desenvolve graves lesões na pele e nas mucosas, dolorosas alterações ósseas e pode morrer.
As conclusões do artigo científico se amparam numa abordagem interdisciplinar, que levou em conta dados de duas áreas do conhecimento cujos especialistas normalmente não trabalham em conjunto. Primeiro, os pesquisadores brasileiros montaram um mapa-múndi com os 128 registros de sífilis e de outras patologias similares causadas por bactérias do gênero Treponema em ossadas humanas e de hominídeos com datação superior a 500 anos (portanto, pré-colombianas) descritos na literatura científica. Localizaram no globo terrestre quando e onde teriam ocorrido esses antigos casos de sífilis e de outras treponematoses (doenças com a pinta, o begel e o bouba). Duas dessas ocorrências pré-colombianas de sífilis se situam no Brasil, em ossadas encontradas no Sambaqui de Jabuticabeira II, próximo ao litoral de Santa Catarina, com idade estimada de 3 mil anos, e num sambaqui fluvial de 5 mil anos escavado no Vale do Ribeira, em São Paulo.
Dos 128 registros de ossos antigos que aparentemente carregam as marcas da sífilis e de outras treponematoses, 39 ocorrências foram descartadas pela equipe da USP nas análises estatísticas. "Excluímos os casos mais duvidosos de nossas análises", diz a bióloga Ana Maria Fraga, uma das alunas de pós-graduação que participaram do estudo. Tratava-se de registros em que o diagnóstico clínico da doença ou a idade da ossada era questionável. Sobraram então 89 casos de sífilis ou treponematoses mais ou menos confiáveis, de acordo com os registros paleopatológicos. Desses, mais de um terço (33 casos) eram de esqueletos achados no Velho Mundo. Portanto, embora as ocorrências de sífilis há mais de 500 anos na Europa não sejam majoritárias, há informações relativamente fartas na literatura científica indicando que parece ter havido casos da doença tanto no Novo como no Velho Mundo bem antes de Colombo aportar nas Américas.
O segundo passo da equipe da USP foi tentar reconstituir a história evolutiva da Treponema pallidum a partir da análise de 21 genes ou regiões intergênicas desse patógeno e de outros treponemas. "Apenas com os registros da paleopatologia não é possível resolver a questão da origem geográfica e no tempo da sífilis", comenta Sabine. "Por isso, usamos esse tipo de dado para calibrar nossas análises de genética molecular." Esse tipo de estudo se vale de uma característica do DNA para construir cenários a respeito do surgimento de uma espécie, seja ela o homem ou uma bactéria. Ao longo de sua história evolutiva, de geração em geração, o material genético de um organismo acumula mutações. Tendo uma ideia ainda que aproximada de qual é a taxa de ocorrência de mutações no DNA de uma espécie, os biólogos moleculares acreditam ser possível estimar quando esse organismo surgiu. "O interessante desse trabalho foi ter juntado essas duas áreas distintas para estudar a origem de uma doença", afirma a bióloga Kelly Nunes, outra estudante da pós da USP que participou do estudo.
Foi com essa ferramenta que os pesquisadores brasileiros calcularam quando poderia ter surgido o agente causador da sífilis. Dessa forma, puderam colocar lado a lado a versão da história da doença que parece emergir do estudo de esqueletos antigos com sífilis e a historia evolutiva do patógeno contada a partir da análise da variabilidade genética presente no DNA de bactérias do gênero treponema. Quando fizeram esse confronto dos dois lados da história, ganhou consistência a tese de que a sífilis surgiu entre 5 mil e 16.500 anos. O registro mais antigo de uma treponematose num hominídeo remonta a 1, 6 milhão de anos, de acordo com uma ossada de Homo erectus que exibe sinais de ter tido bouba, uma treponematose similar à sífilis. O problema é que, se esse grupo de doenças tivesse emergido numa época tão remota, muito antes do surgimento do homem moderno (Homo sapiens), a Treponema pallidum teria que apresentar uma taxa anual de acúmulo de mutações em seu genoma dez vezes menor do que outras bactérias, como a Escherichia coli. Isso é muito improvável, segundo os pesquisadores da USP. Caso a doença tenha se originado há apenas 500 anos, na época de Colombo, como defende a hipótese mais difundida, o patógeno da sífilis teria que exibir, segundo os cálculos dos cientistas brasileiros, uma taxa de incorporação de mutações 100 vezes maior do que a de outras bactérias. De novo, esse ritmo de acúmulo de alterações num DNA bacteriano parece fora de qualquer padrão.
Restou, por fim, averiguar se uma hipótese intermediária sobre o surgimento da sífilis faria sentido tanto do ponto de vista da paleopatologia como da genética molecular. Essa foi a tese que mais convenceu os pesquisadores da USP. Se as treponematoses tiverem surgido entre 5 mil e 16.500 anos, sendo esta última data tida como o momento em que o Homo sapiens começou a colonizar as Américas, o patógeno da doença teria que apresentar uma taxa de incorporação de mutações mais ou menos semelhante à de outras bactérias. Na verdade, segundo os cálculos da equipe da USP, as primeiras treponematoses podem ter surgido até um pouco antes, por volta de 90 mil anos atrás. O problema é que, se essa ideia for verdadeira, alguém terá de encontrar ossadas humanas exibindo alguma doença causado por treponema. O registro mais antigo de treponematose no homem moderno bate na casa dos 15 mil anos. "Se nossa análise filogenética estiver correta, esperamos encontrar evidências de treponematoses, incluíndo uma Eva com sífilis, em ossos de exemplares de nossa espécie e até nos neandertais com idade estimada em 88 mil anos", diz Sabine.

Fonte: http://www.revistapesquisa.fapesp.br/index.php?art=6178&bd=2&pg=1&lg=

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